Para podermos falar sobre o Programa de Sensoriamento Remoto do CNPq, necessário se torna que façamos um rápido retrospecto sobre a evolução da utilização das técnicas de sensoriamento remoto no país.
Até 1967, eram utilizadas, no Brasil, apenas técnicas que usavam equipamentos simples a bordo de aviões, tanto obtendo fotografias aéreas com fins principalmente cartográficos, como obtendo dados geofísicos, principalmente ligados à prospecção de jazidas minerais.
Em 1967, entretanto, iniciaram-se os estudos efetivos, no CNPq/INPE, para a utilização de técnicas mais avançadas de sensoriamento remoto existentes, em outros países, na época (ou que estavam sendo programadas) aplicadas ao levantamento de recursos naturais e monitoramento do meio ambiente e uso da terra. Podemos dizer que, a partir daí, dois programas ou linhas de trabalho foram desenvolvidos: um, que envolvia técnicas utilizando equipamentos a bordo de aviões e outro, que dizia respeito a técnicas utilizando sistemas colocados a bordo de plataformas espaciais.
Na primeira das áreas, ainda em 1967, foi estabelecido um plano de cooperação entre o CNPq/INPE e a NASA dos Estados Unidos, cujo principal objetivo era o estudo e desenvolvimento de técnicas e sistemas de aquisição de dados sobre recursos naturais, com sensores colocados a bordo de aeronaves, a fim de determinar o uso potencial dessas técnicas.
Um grupo composto por cerca de duas dúzias de especialistas de diferentes instituições foi formado e, em meados desse ano, doze elementos desse grupo visitaram os Estados Unidos. Como resultado desse plano, foi assinado, no início do ano seguinte (1968), um Memorando de Entendimentos entre o CNPq/INPE e a NASA, o qual previa quatro fases distintas na execução do projeto. A primeira delas ocorreu em 1968 e dizia respeito ao treinamento de recursos humanos na área. Para isso, foi enviado um grupo de especialistas aos Estados Unidos, por seis meses, sendo que o estágio envolveu, além de cursos, visita a várias regiões testes naquele país. Esse grupo voltou ao Brasil e iniciou o treinamento de um grupo de cerca de quarenta elementos, alguns de outras instituições, mas a maioria do CNPq/INPE, dentro da segunda fase do programa, a qual incluía, também, a seleção de áreas testes brasileiras, o planejamento da instrumentação de um avião de sensoriamento remoto brasileiro, o estabelecimento de facilidades de processamento de dados, banco de dados etc. Essa fase, iniciada em fins de 1968, estendeu-se até o início de 1971. Em julho de 1969, iniciou-se a terceira fase do programa, com a vinda ao Brasil, de um avião da NASA equipado com imageador infra-vermelho, radar de visada lateral, câmeras métricas e câmeras multiespectrais, para a realização de vôos sobre áreas testes brasileiras, com o intuito de estudar aplicações em agronomia, geologia, oceanografia, hidrologia e poluição. Foram coletados dados em áreas do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, sendo os resultados obtidos discutidos, extensivamente, durante o ano seguinte. Além de testar a utilização dos vários sistemas sensores, a análise dos resultados tiveram duas conseqüências importantes, descritas a seguir.
A primeira delas foi o reconhecimento, de pronto feito, da utilidade do radar de visada lateral, principalmente em áreas remotas. Tendo em vista isso, foi proposta a cobertura de uma área teste na Amazônia, com um radar de visada lateral instalado num avião. O projeto, estabelecido no âmbito do Departamento Nacional de Produção Mineral do Ministério de Minas e Energia, previa inicialmente a cobertura de uma área de 44.000 Km², na região amazônica, com um radar de visada lateral GEMS 100 da Goodyear, colocado a bordo de um avião Caravelle, com o intuito de se estudar a utilização das imagens obtidas no levantamento de recursos minerais. O projeto foi denominado Projeto RADAM (RADar no AMazonas) sendo que, posteriormente, ele foi aumentado para cobrir toda a área da Amazônia e, em 1975, para cobrir todo o território nacional. Passou, então, a se denominar Projeto RADAMBRASIL, sobre o qual será feita, neste Simpósio, uma exposição detalhada.
A segunda das conseqüências diz respeito à definição do equipamento de sensoriamento remoto que comprado pelo CNPq/INPE, foi instalado a bordo do terceiro protótipo do avião Bandeirantes da EMBRAER, em 1970, aeronave essa que continua ainda hoje em operação, equipada com uma câmera RC-10 Wild, uma câmera multiespectral I²S, um escansor (scanner) de dois canais Bendix LN-3 e acessórios e um radiômetro Barnes PRT-5. Já naquela escolha se procurou compatibilizar o equipamento com os sistemas projetados na época para voarem em plataformas espaciais. Iniciava-se assim, em 1971, a quarta e última fase do programa estabelecido no Memorando de Entendimento com a NASA, com vôos do avião brasileiro sobre várias áreas do nosso território, cujos dados, combinados com aqueles obtidos em terra (verdade terrestre), permitiam, cada vez mais, a obtenção de "knowhow" na área, além de possibilitar a correlação, a ser feita mais tarde, com os dados obtidos por sistemas sensores instalados a bordo de plataformas orbitais.
Ainda dentro da linha de sistemas sensores colocados a bordo de aviões, iniciou, então, o CNPq/INPE o estudo de possíveis equipamentos que poderiam ser projetados e construídos no país. Através de convênio com o Instituto Brasileiro do Café - IBC, foi iniciado o desenvolvimento de um sistema de televisão e de interpretação semi-automática dos dados obtidos, com a finalidade de se fazer inventários cafeeiros, sendo o projeto, posteriormente, transferido para a UNICAMP-IBC. Esta linha de trabalho foi recentemente retomada no Instituto, com o projeto e construção de alguns protótipos de sistemas sensores, dos quais dois apresentam grande interesse e estarão sendo apresentados nas sessões técnicas deste Simpósio: um Sistema a laser para detecção de fluorescência de alvos naturais e um sistema de detecção de raio gama (advindo da experiência obtida pelo Grupo de Astrofísica de Alta Energia do Instituto, na construção de sistemas detectores de raio gama para voar em balões estratosféricos) para ser utilizado em prospecção de jazidas de minerais radioativos.
Já em 1971 foram iniciados, no CNPq/INPE, os estudos para a utilização dos dados a serem obtidos por sistemas sensores coloca dos em plataformas espaciais americanas: os satélites LANDSAT (na época denominados ERTS) de sensoriamento remoto de recursos naturais e a plataforma espacial SKYLAB. Com respeito a esta última, foi elaborada uma proposta de participação na missão (o SKYLAB foi lançado em 1973), com a indicação de áreas do nosso território que deveriam ser fotografadas com uma câmera existente a bordo, pelos astronautas, para posterior estudo e utilização por nossas equipes de interpretação. A proposta foi aceita e o projeto realizado. Já com relação aos satélites LANDSAT - cujo primeiro da série foi lançado em 1972 - decidiu o CNPq/INPE instalar uma estação de recepção direta de dados em Cuiabá, Mato Grosso, e uma estação de processamento eletrônico e fotográfico em Cachoeira Paulista, São Paulo. Um novo Memorando de Entendimento com a NASA foi assinado, em 1973, disciplinando a matéria. A estação de recepção foi instalada em 1973, passando o Brasil a ser o terceiro país do mundo a ter uma estação LANDSAT (os Estados Unidos e o Canadá foram os primeiros). A estação de processamento de Cachoeira entrou em operação em 1974. Entretanto, desde 1972, a equipe do Instituto já estava utilizando dados do nosso território gravados a bordo do LANDSAT e recebidos, processados e distribuídos (pelos EROS DADA CENTER) pelos Estados Unidos. Com o início da operação normal de Cuiabá, os gravadores de bordo não mais gravaram operacionalmente dados do nosso território. Embora a estação de Cuiabá gravasse inicialmente apenas imagens relativas ao Brasil, com a renovação do Memorando de Entendimento, em 1976, passou o CNPq/INPE a gravar e processar, também, imagens de outros países da América do Sul, ou seja: grande parte da Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Argentina e a totalidade da Bolívia, Paraguai, Uruguai e Guianas.
Se até 1974 o Programa de Sensoriamento Remoto de Recursos Naturais do Brasil se resumia à utilização de dados LANDSAT obtidos dos Estados Unidos, principalmente pelo CNPq/INPE, aos trabalhos do Projeto RADAM e do IBC, o panorama modificou-se completamente com o início de operação dos Laboratórios de Processamento de Cachoeira Paulista. O número de usuários de imagens LANDSAT tem crescido exponencialmente desde então, o mesmo ocorrendo com o número de imagens distribuídas. Em 1975, o CNPq/INPE adquiriu um sistema automático de interpretação de imagens (sistema I-100 da General Electric), aumentando consideravelmente a gama de utilizações práticas das imagens LANDSAT.
O interesse demonstrado pelas várias instituições brasileiras e as potencialidades do emprego da nova técnica, que começaram a emergir já desde as primeiras aplicações realizadas, fizeram com que, a partir de 1976, o Programa fosse completamente revisto. Com o apoio irrestrito da alta administração do CNPq - principalmente do seu Presidente - foi possível sanar as diversas dificuldades técnicas e operacionais existentes e tornar o referido Programa de âmbito nacional.
Hoje, em 1978, dois grandes programas são oferecidos às instituições brasileiras que utilizam ou pretendem utilizar técnicas de sensoriamento remoto: o Programa de Produção de Imagens (executado pelo Departamento de Produção de Imagens do CNPq/INPE) e o Programa de Aplicações de Sensoriamento Remoto (executado pelo Departamento de Sensoriamento Remoto do CNPq/INPE) e sobre os quais serão feitas, neste Simpósio palestras explicativas. É interessante mencionar aqui que o primeiro conta com um Banco de Dados para atendimento a usuários, instalado em Cachoeira Paulista, dotado de todas as informações relativas às imagens gravadas e processadas pelo CNPq/INPE, além de um sistema de interpretação automática de imagens (MDAS da Bendix), que será colocado à disposição dos usuários, a partir do início do próximo ano. Dispõe, ainda, de Centros Regionais localizados em São José dos Campos, Natal, Rio de Janeiro e Brasília, onde as mesmas informações estão a disposição dos usuários, além de uma leitora de microfilmes, nos quais estão gravados as imagens já processadas e a disposição no Banco de Dados.
O Programa de Aplicações de Sensoriamento Remoto, por sua vez, tem por objetivo o desenvolvimento de metodologias de aplicações de sensoriamento remoto no levantamento de recursos naturais e monitoramento do meio ambiente e uso da terra. Utilizando imagens LANDSAT, correlacionadas com dados obtidos pelo avião Bandeirantes e com os dados de campo (a verdade terrestre), inúmeros projetos já foram realizados, nas mais variadas áreas de aplicação. Sempre que possível, procura o Programa transferir para os usuários a metodologia desenvolvida, de tal modo que passem estes a operacionalizá-la. Aliado diretamente a este Programa, o CNPq/INPE proporciona também a formação de recursos humanos nas diversas áreas de aplicação, tanto através de seminários e estágios, como através de cursos de aperfeiçoamento, especialização e especialmente do Curso de Mestrado em Sensoriamento Remoto, reconhecido pelo Conselho Federal de Educação.
A partir do próximo ano (1979), pretende o CNPq oferecer às instituições de pesquisa brasileiras uma participação maior no Programa. Cada uma delas poderá propor, para ser financiado, dentro de determinadas condições, um ou mais projetos de aplicação, cabendo ao CNPq/ INPE prover os meios necessários para a sua execução. Os meios envolveriam, principalmente, imagens LANDSAT, SKYLAB, áreas (obtidas pelo avião Bandeirantes) e a utilização dos sistemas de interpretação automática de dados (I-100 e MDAS). A oferta oficial será enviada, no início de 1979, às várias instituições de pesquisas brasileiras. Além disso, pretende o mesmo Conselho realizar Simpósios anuais, dos quais este é o primeiro.
Procura, ainda, o Instituto desenvolver novos produtos para serem utilizados pelos vários usuários. Exemplo destes são os mosaicos branco e preto e coloridos de regiões brasileiras. Atualmente está sendo desenvolvido um novo produto, constituído pela superposição de imagens LANDSAT com imagens de RADAR, sendo os primeiros resultados obtidos apresentados numa das sessões técnicas deste Simpósio.
Os resultados positivos obtidos pelos vários programas em redor do mundo, fizeram com que outros países se interessassem pela construção e operação de satélites de sensoriamento remoto de recursos naturais. A França, por exemplo, deverá lançar, em 1983, o seu primeiro satélite na área - o SPOT - compatível com o LANDSAT e sobre o qual será apresentada uma palestra neste Simpósio. O Japão, por seu lado, já aprovou um programa de cinco satélites (os três primeiros principalmente para recursos do mar, denominados MOS, e os dois últimos, chamados LOS, principalmente destinados a recursos terrestres), devendo o primeiro ser lançado também em 1983. A NASA já lançou três satélites da série LANDSAT, dos quais dois estão em funcionamento e já aprovou o lançamento de mais dois, o primeiro deles (LANDSAT D) devendo ser lançado, com novos tipos de sensores a bordo, além dos existentes nos atuais satélites em órbita, em 1981. Com estações de recepção aos Estados Unidos, Canadá, Brasil, Itália, Suécia, Iran em funcionamento e outras em instalações no Chile, Argentina, Zaire, Índia, Japão e Austrália, o Programa LANDSAT tem continuidade garantida até, pelo menos, o fim da próxima década.
Hoje, passados mais de dez anos desde que as primeiras reuniões foram feitas em São José dos Campos, com cerca de 600 usuários nacionais e estrangeiros das imagens produzidas em Cachoeira Paulista , com uma produção anual efetiva atingindo cerca de 20000 imagens em 1978, com cerca de 100 projetos realizados ou em realização, o Programa de Sensoriamento Remoto do CNPq já demonstrou que a técnica de utilização de dados obtidos por sistemas sensores colocados a bordo de satélites artificiais, aliados aos dados obtidos por equipamentos a bordo de aviões e a verdade terrestre, constitui uma das mais poderosas para o levantamento de recursos naturais e monitoramento do meio ambiente e uso da terra, com conseqüências importantes para o Desenvolvimento e Segurança Nacionais. E isso pode ser facilmente constatado pelos oitenta trabalhos técnicos que estão sendo apresentados neste Simpósio.
Entretanto, muito resta ainda por fazer; estamos apenas no início. E para dar uma idéia mais detalhada do que pode ser feito, será apresentado agora um audiovisual do Programa de Sensoriamento Remoto do CNPq.
São José dos Campos, SP, Brasil, 1978
Nelson de Jesus Parada
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